Especialista diz que aparelhos eletrônicos trazem atrasos no desenvolvimento infantil

Eloísa Lima. Foto: Divulgação
ENTREVISTA
Foi divulgada, pela Academia Americana de Pediatria, uma recomendação oficial. A Academia avisa que bebês, menores de dois anos, não devem brincar com aparelhos eletrônicos como tablets, celulares, computadores, pois podem apresentar atraso no desenvolvimento da linguagem na idade escolar. No entanto, o que se vê por aí são bebês e crianças cada vez mais conectadas através de aparelhos eletrônicos. “As pessoas acham lindo crianças ‘adestradas’ por essas máquinas”, é o que diz a psicopedagoga Eloísa Lima, neurolinguista pela UFRJ e diretora pedagógica da escola de inglês para crianças Dice English Course, entrevistada pelo ABJnotícias.

ABJnotícias - A recomendação é uma novidade para os profissionais que trabalham com crianças?
Eloísa Lima - A princípio, vamos à ciência: a fala necessita da interação humana para desenvolver. A liberação dos chamados “Dados Primários” - resultado da fala espontânea no entorno da criança – é estimulação indispensável para que o ser humano venha a falar.É preciso falar com a criança desde o momento em que ela nasce. Assim sendo, teríamos que cuidar das ações que oferecem interação humana para a possibilidade da comunicação oral acontecer. Portanto, para um lingüista, um bebê sob os cuidados de aparelhos eletrônicos ou, até mesmo só com os brinquedos, pode vir a ter sua fala comprometida.

ABJnotícias - Como que a notícia está sendo encarada?
Eloísa - Infelizmente essa notícia não é muito divulgada entre os profissionais que lidam diretamente com as crianças. Não se vislumbra um espaço na mídia que informe adequada e arrojadamente os profissionais da área da Educação. Esse tipo de notícia não atinge o professor, a babá, o recreador, ou o instrutor de línguas, embora bombástica. Essas pesquisas não saem das salas de estudos dos cientistas. Por sinal, poucos divulgam resultados de pesquisas feitas com crianças pequenas.


ABJnotícias - Os profissionais costumavam indicar estes aparelhos como uma ajuda no desenvolvimento infantil?
Eloísa - Vou me ater aos profissionais da área educacional. Hoje, praticamente todas as escolas propõem vivencia com tecnologia. Não só os profissionais que lidam com as crianças, mas os próprios pais. A tecnologia ainda não mostrou a sua cara de todo, por essa razão ela ainda é muito atraente além de extremamente cara para a massa da população. O senso comum se deslumbra com o efeito que ela causa. As pessoas acham lindo crianças ‘adestradas’ por essas máquinas, entendem como inteligência a destreza com que as crianças movem uma imagem num I-touch, por exemplo. A inteligência das crianças pequenas desenvolve através da combinatória das ações possíveis com o próprio corpo, é por esse caminho que devem ser estimuladas. Situo a fala como a dublagem da ação, o que me traz ao foco da entrevista novamente.

ABJnotícias - Os pais e as escolas têm substituído os jogos de tabuleiro por jogos eletrônicos?
Eloísa - Sim, sem dúvida, e nem precisamos ir dentro das casas nem das escolas para se ver isso, basta ir à socialização espontânea das crianças em grupos (festinhas de aniversário, salas de espera, restaurantes). Elas simplesmente não socializam, não conversam entre si, não propõem brincadeiras, representações da vida real – o faz-de-conta... Ao contrário, querem tudo para si, não sabem lidar com a derrota, choram quando perdem uma bola no campo de futebol ou a cadeira na dança das cadeiras. Essas crianças voltam correndo para o ninho solitário dos eletrônicos e aí não se sentem ameaçadas. Em termos do funcionamento inteligente e, uma vez memorizadas estratégias, as fases dos jogos de vídeo game, eles não perdem mais da máquina.

ABJnotícias - Você percebe uma grande diferença entre as crianças de hoje, que foram criadas já com acesso a jogos em aparelhos eletrônicos, e as crianças de dez anos atrás que não tiveram acesso a este tipo de aparelho?
Eloísa - As gerações cada vez mais se distanciam entre si e a tecnologia determina essa distância. A tecnologia implica em agilizar o tempo e com isso, praticamente, dá soluções imediatas aos jovens. Basta aprender a usar um “programinha” no computador e não é necessário investir raciocinando em tempo presente. Uma situação-problema é um recurso que desafia a inteligência, o que ora acompanhava a operação do raciocínio passa a ser dado pronto para as crianças. Uma criança mediante uma situação problema de natureza física está fazendo uma descoberta. A física é descoberta e se descobre algo que existe. Quando uma criança descobre que empurrando um carrinho com força ele estraga a parede e não estraga se impulsionar devagar, ela está fazendo física. Física é uma das matérias que mais reprova no acesso a universidade, no entanto essa matéria tem sua gênese lá atrás na primeira infância.No que “divertimos” uma criança com um vídeo game nas mãos durante 3,4 horas num restaurante, por exemplo, abolimos suas possibilidades de ação e interação com o meio em que está. Concluo que haja menos possibilidades de atos inteligentes nas gerações atuais.


ABJnotícias - Mesmo depois dos dois anos de idade, isso pode trazer algum prejuízo para o desenvolvimento infantil?
Eloísa - Sim, e só tende a piorar o desenvolvimento infantil. Um recurso de sobrevivência das crianças bem pequenas é seu spam de concentração que é muito curto, ela se cansa rapidamente de atividades passivas enquanto que os mais velhos aguentam sentadinhos mais tempo. As trocas entre meio (convívio humano menos considerado) multiplicado por mais tempo de concentração atuam de modo mega progressivo a favor do embotamento tanto intelectual como social e afetivo. Grosso modo, a linguagem cai vertiginosamente de qualidade, de volume de vocabulário, de argumentação, tornando-se monossilábica, rudimentar e desengajada.









Tags: ,

Sobre a ABJ

A ABJ é a agência júnior de jornalismo do curso de Comunicação Social do Unasp - Centro Universitário Adventista de São Paulo.

0 comentários

Comente Esta Notícia