ENTREVISTA
“Agora é a vez das empresas verdes”
Presidente da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos para a Construção Civil, Gilberto Meirelles defende a nova tendência verde nas empresas
Gilberto Meirelles. Foto: divulgação |
Formado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Meirelles foi responsável pela implantação de vários projetos em entidades públicas no país, entre eles o Projeto Caçambas Coloridas, realizado na Amazônia, com o objetivo de realçar a necessidade de conservação da biodiversidade no local, além de vários projetos de negócios sustentáveis para a FGV e para o Instituto Peabiru. Em entrevista ao ABJnotícias, o ambientalista defendeu as novas tendências sustentáveis, como as empresas verdes e a própria reciclagem de resíduos industriais. Meirelles colocou várias propostas e possíveis soluções a serem abordados pelos líderes globais nos próximos anos. (Leia a reportagem sobre os desafios ambientais da Rio+20)
ABJnotícias - Um estudo divulgado pela BM& Bovespa, em parceria com a Global Reporting Iniciative, mostrou que as 200 ações de empresas mais sustentáveis, as chamadas 'empresas verdes', que são medidas pelo Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) tiveram nos últimos doze meses uma valorização de 5,15%. Em comparação, o Ibovespa, principal índice da bolsa de valores, teve uma queda de 5,94%. Com a análise de dados como estes, podemos colocar a sustentabilidade e a responsabilidade social como formas de atrair lucros para as empresas?
Gilberto Meirelles - Os índices apresentados devem ser analisados como uma tendência das 'empresas verdes' serem mais valorizadas no futuro, o que não significa que seus balanços hoje sejam necessariamente melhores que a concorrência. O perfil de investidor em empresas com preocupação socioambiental é de longo prazo, e assim as ações tendem a se valorizar para quem tem visão de longo prazo. Fora da BMF& Bovespa a realidade é bem diferente, pois empresas novas com foco socioambiental encontram na concorrência e no mercado uma forte resistência.
A Estação Resgate, por exemplo, apresenta resultados positivos, porém muito aquém do que poderíamos obter se o segmento em que atuamos, reciclagem de resíduos da construção civil, fosse devidamente fiscalizado pelo poder público, e se as empresas consumidoras que se autointitulam sustentáveis de fato comprassem os nossos produtos com o viés que pregam.
ABJnotícias - De que maneira, as empresas (especialmente as médias e pequenas, já que a maior parte das grandes já possui planos sustentáveis) podem introduzir ações sustentáveis e, da mesma forma, rentáveis?
Meirelles - Sendo cada vez mais inovadoras, criativas e investindo em gestão. Estamos falando de um mercado novo em ascensão com fortes barreiras culturais. O nosso grande diferencial e a principal ação sustentável está em nosso DNA, ou seja, conseguindo fazer o que é nosso core business automaticamente já fazemos a diferença. Evidentemente que os empreendedores e executivos que dirigem essas organizações buscam sempre mais, e posso dizer que o principal instrumento tem sido a educação e proliferação dos conceitos de sustentabilidade. O plano de sustentabilidade, no nosso caso, consiste em multiplicar nossas práticas para cada nova unidade que somos chamados a implementar nos municípios brasileiros.
ABJnotícias - A sustentabilidade é algo que vem sendo trabalhado nos últimos anos. Na conferência de 1992, o tema foi abordado de maneira mais superficial. Analisando estes vinte anos que se passaram desde a Rio 92, como o tema se tornou tão 'popular' e debatido nos dias de hoje?
Meirelles - Acredito que tudo passa pela tomada de consciência. Já as motivações que levaram a popularização deste tema são várias e acabaram por se complementar nos últimos 20 anos. Neste período foi possível ao homem, por meio de pesquisas científicas e da vivência de eventos naturais de grande poder de destruição, como os tsunamis e terremotos, constatar que, se não houver uma mudança significativa de atitude em relação ao uso dos recursos naturais, estamos fadados à total destruição deste planeta e, consequentemente, da existência humana. E a maioria da população atenta para sustentabilidade segue esta linha e pensa como era tudo melhor no passado.
Os empresários já veem como uma possibilidade de negócio de longo prazo e um caminho sem volta como oportunidade de aliar resultado com bem-estar social e do ambiente. E os governos se inserem justamente por isso, além da vida de um planeta em jogo, temos milhões de pessoas pensando no assunto e o capital pronto para abraçar esta oportunidade. Graças a isto, o que se observa é uma mobilização mundial em torno dessa temática. Outro fator importante que tem despertado interesse é a constatação de que aqueles que praticam a sustentabilidade em seus negócios têm apresentando maior lucro, como demonstra o estudo da BMF&Bovespa. Daí a natural tendência a segui-los, mesmo que num primeiro momento o único objetivo seja ganhar mais dinheiro. São os novos tempos.
ABJnotícias - Dados divulgados recentemente pela PNUMA mostraram que os índices de reciclagem aumentaram bastante desde 1992. Apesar do crescimento, o que falta no Brasil e no mundo para que a reciclagem consiga alcançar patamares ainda maiores?
Meirelles - O mercado de reciclagem é bastante amplo, e posso falar com maior propriedade da reciclagem de resíduos da construção civil, mas a lógica e os números em geral se aplicam para todos os segmentos. Há 20 anos esse mercado praticamente inexistia no Brasil, e falar de crescimento com base perde-se a referência, mas se considerarmos a última década temos sim o primeiro salto. Hoje reciclamos 20% de todo o resíduo da construção civil, sendo que poderia ser reciclado sem grandes investimentos em capital e tecnologia 80%. Entretanto, o que falta é aplicação das leis de incentivo ao consumo. Simples assim. Menos discurso e mais efetividade nas ações do governo e das empresas consumidoras de produtos ou geradoras de resíduos. As empresas e governos não fazem 10% do que comunicam fazer, e isso é decepcionante.
De forma complementar, podemos contar com as campanhas de educação para despertar a consciência da população e interesse político. Só atingiremos 100% de reciclagem do que pode ser reciclável quando houver um total engajamento. No nosso segmento, o gerador deve preparar o entulho para que ele seja reaproveitável e o poder público exigir a destinação adequada para este lixo e, ainda, que se comprometa efetivamente, fazendo com que os municípios comprem e incentivem os prestadores de serviços e fornecedores a consumir o agregado reciclado. As recicladoras precisam contar tanto com esse apoio do poder público quanto do gerador.
Já existem países, como a Holanda, por exemplo, que recicla 97% do lixo gerado. O Brasil tem grande potencial de reciclagem de resíduos e a Política Nacional de Resíduos Sólidos, criada em agosto de 2010 pela Lei 12.305, que veio para fazer funcionar a coleta desses materiais e viabilizar a reutilização dos mesmos. A determinação a adequação à lei aumenta os desafios para as pequenas e médias cidades que ainda usam lixões a céu aberto por não disporem de recursos financeiros nem capacidade técnica para a gestão adequada dos serviços.
ABJnotícias - Quais atitudes poderiam ser tomadas nas grandes metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro, nas áreas de reciclagem e sustentabilidade. Visto que se trata de enormes conglomerados de edifícios, construções e população?
Meirelles - São inúmeras as ações que poderiam ser adotadas pelos poderes municipais e governamentais, incluindo o reconhecimento aos que reciclam e/ou usam material reciclado, melhorias no processo de reciclagem, campanhas de conscientização. O Instituto Gea – Ética e Meio Ambiente, em seu artigo 'O que pode ser reciclado', demonstra de forma bastante interessante a utilidade desses materiais:
o entulho pode ser transformado, através da reciclagem, em um produto a ser utilizado na pavimentação de estradas, construção de guias e sarjetas, obras de drenagem, calçadas ou outros usos próprios da construção civil.
A reciclagem do metal é ambientalmente muito interessante, pois evita a retirada de minérios do solo, minimizando o impacto ambiental acarretado pela atividade mineradora, além de reduzir em muito o volume de água e energia necessários para a produção de novos artigos.
Os pneus para transformação em produto para pavimentação de estradas ou para utilização como combustível na geração de energia. É possível também sua reutilização na engenharia civil, para a construção de quebra-mares, barreiras de contenção ou acostamento de estradas.
A reciclagem do vidro é restrita devido ao pouco interesse econômico demonstrado pela indústria vidreira em adquirir os vidros descartados. Deve-se levar em conta que a inclusão do caco na produção reduz sensivelmente os custos, usando menos óleo combustível e eletricidade, sem contar as vantagens ambientais da redução da retirada de matérias-primas da natureza, redução na emissão de gases na atmosfera e economia de espaço nos aterros. Enfim, para cada item uma grande metrópole tem uma provável solução adequadamente correta, desde que tenha sistemas de coleta eficiente e os produtos sejam valorizados como produto, e não como lixo.
ABJnotícias - Na sua opinião, quais deveriam ser os principais assuntos a serem tratados na Rio+20 e nos próximos anos pelos países na questão da reciclagem?
Meirelles - O principal assunto no que tange a reciclagem de resíduos da construção civil é criar mercado para os produtos, pois a estrutura de produção já existe e está falha, porque muitos recicladores acreditaram no governo ao instalarem suas usinas. E até hoje não se viu redução de impostos e leis de incentivos ao consumo colocadas em prática. Interessante também seria condicionar as empresas geradoras que comprem de material reciclado uma porcentagem do que geram.
Um levantamento feito com as 141 usinas de reciclagem no país indicam que 80% delas, que estão em funcionamento ou em implantação, são privadas, e que 2/3 das que estão inativas, paradas e onerando os municípios são públicas. Portanto, temos um segmento cuja eficiência obviamente é melhor com a iniciativa privada e que depende muito dos governos. E a discussão desse modelo seria a grande contribuição.
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