Analfabetismo funcional cresce 7% no Brasil

Do lado esquerdo da Rua Minas Gerais, no município de Engenheiro Coelho (SP), mora Maria Nunes de Oliveira, vendedora de comida caseira. Aos 62 anos, lê e escreve com dificuldade, porém pela prática contínua de vendas em seu trabalho, já consegue realizar cálculos matemáticos simples.

Dona María é parte dos 27% de analfabetos funcionais
 existentes no país. Foto: Katherine Changanaqui.
 
Dona Maria, como é conhecida pelos vizinhos, estudou até a segunda série no programa de Educação para o Idoso, promovido pelo município. Orgulhosa, comenta que aprendeu a escrever seu nome e expressa o entusiasmo por voltar às aulas que haviam sido paralisadas, por falta de professores, há dois meses.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 20,3% da população tinha, há dois anos, uma história similar à de dona Maria. Entretanto, esse número aumentou no ano passado para 27%, de acordo com o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf), divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa.

O indicador também revela que na Região Sudeste 20% da população é composta de analfabetos funcionais, sendo que 48% correspondem ao nível básico e somente 31% são alfabetos plenos.

Roberto Catelli, coordenador do Programa de Educação de Jovens e Adultos da ONG Ação Educativa, afirma que no mundo letrado de hoje é quase impossível falar de uma pessoa absolutamente analfabeta. Segundo o Inaf, alguém é considerado analfabeto funcional quando, apesar de saber ler e escrever frases simples, não possui as habilidades necessárias para satisfazer as demandas do seu dia a dia e se desenvolver pessoal e profissionalmente. “O conceito de analfabetismo mudou. Em 1958, analfabeto era um indivíduo que não conseguia ler ou escrever; hoje se adota o conceito de analfabetismo funcional”, afirma o Instituto Paulo Montenegro por meio de sua assessoria.

De acordo com a definição acima, para ser considerada analfabeta funcional, uma pessoa deve necessariamente haver cursado até a terceira série do ensino fundamental e ter entre 15 e 64 anos de idade, mas possuir habilidades de leitura, escrita e matemática apenas rudimentares. Trata-se de uma situação extremamente limitadora, pois essas habilidades são importantes para a vida de estudos e inclusão no mercado de trabalho.

Apesar da diminuição do índice de analfabetismo funcional absoluto nos últimos anos, a situação do país ainda é crítica. Só na América Latina existem 25 milhões de analfabetos, dos quais 13 milhões são brasileiros. O censo de 2010 aponta que existem 584 mil analfabetos absolutos em São Paulo. Catelli sublinha que desde o ano 2000 tem havido reduções visíveis nos níveis de analfabetismo. No entanto, ele acredita ser necessária a urgente criação de políticas educacionais e “estratégias inteligentes para reduzir de maneira acelerada um número que ainda é muito expressivo”.

Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), o mapa de analfabetismo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) elaborado no ano 2003, revelou que 299,3 mil pessoas são analfabetas funcionais. O estudo revelou que, dentre as cidades que integram a região, o município que tinha o índice mais alto era Santo Antônio de Posse, com 29,3% de analfabetos funcionais e 11,4% analfabetos absolutos. Engenheiro Coelho possuía 27,9% funcionais e 12,1% absolutos. Artur Nogueira, 23,3% funcionais e 9,1% absolutos. Holambra, 22,6% funcionais e 8,1% absolutos.

Dez anos depois

“No passado eu tentei ir à escola, mas pelas dificuldades nos horários desisti. Hoje, 30 anos depois, aprendi a ler e escrever com o programa”, conta Maria Nunes (a mesma dona Maria do início desta reportagem). Ela declara que o projeto da prefeitura mudou a sua vida.

As estatísticas do IBGE do ano 2010, segundo a Pesquisa Nacional de Domicílios (Pnad), mostravam as seguintes porcentagens em relação ao analfabetismo absoluto na RMC: Santo Antônio de Posse, 6,45%; Engenheiro Coelho, 7,12%; Holambra, 4,51%, e Artur Nogueira, 4,59%. Segundo os resultados, a cidade com maior índice de analfabetismo absoluto era Engenheiro Coelho.

Frente os altos níveis de analfabetismo, nas 19 cidades da RMC, a secretaria de Educação do governo do Estado de São Paulo comprometeu-se a realizar diversos projetos para diminuir esses índices. Desde 2003, foram implementadas pelo Ministério de Educação diversas alternativas para eliminar o analfabetismo no Brasil, tais como o projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa, que inclui parcerias com faculdades privadas na preparação dos docentes como futuros alfabetizadores.

No ano de 2012, o Estado de São Paulo contava com 214,3 mil matriculados no EJA. Recentemente, o governo reduziu para 7 anos a idade em que a criança deve estar alfabetizada, meta a ser conferida na próxima prova do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado,  a qual será realizada nos dias 26 e 27 de novembro.

Alguns dos municípios da RMC que apresentaram alto índice na pesquisa de 2003 também aderiram aos projetos. É o caso de Engenheiro Coelho. A secretária de Educação, Cleide Aparecida de Oliveira, menciona que o município já participa dos projetos em busca de garantir alfabetização correta a crianças da 2ª série, jovens e adultos. “Estamos investindo no EJA para que os alunos que trabalham durante o dia tenham uma boa alimentação e horário flexível para que concluam seus estudos no horário noturno”, acrescenta.

A realidade de outras cidades, porém, ainda é confusa. A reportagem entrou em contato com as Secretarias de Educação de Holambra e Santo Antônio de Posse. De acordo com as informações, ambos os municípios ainda não elaboraram planos que façam uma avaliação do seu passado educacional com o objetivo de projetar alternativas de melhora para o futuro. A reportagem também entrou em contato com a prefeitura de Artur Nogueira, por meio de sua assessoria de imprensa, mas não obteve resposta.


Movimentos nacionais como o Todos pela Educação tentam combater a realidade do analfabetismo funcional com o objetivo de eliminar o problema até o ano 2022. No entanto, para instituições como a Ação Educativa, colaboradoras do Inaf, diminuir totalmente o analfabetismo é impossível por tratar-se de um problema social bastante amplo, que está relacionado à desigualdade e vai além de questões educacionais.

Por Katherine Changanaqui
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Sobre a ABJ

A ABJ é a agência júnior de jornalismo do curso de Comunicação Social do Unasp - Centro Universitário Adventista de São Paulo.

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