‘Chocalho’ virtual

Desde que nasceu Marina Rhinow, de dois anos, tem contato direto com a tecnologia. A garota domina e utiliza com frequência um tablet para assistir desenhos, jogar e ver histórias. Além dessa distração, a pequena também gosta de se divertir com uma máquina fotográfica de brinquedo movida a pilhas. Um dia, enquanto brincava, a máquina parou de fazer barulho. Marina imediatamente olhou para a mãe e disse: “Mamãe, acho que caiu a internet.” Essa e outras histórias envolvendo crianças e a tecnologia tem sido cada vez mais comum.


Crianças têm preferido brinquedos virtuais aos da rua.
A psicóloga Vivian Araújo acredita que esse desenvolvimento precoce das crianças é uma resposta aos estímulos recebidos do mundo. Para ela, as crianças têm sido bombardeadas com informações e estão apenas acompanhando as tendências da sociedade pós-moderna. Apesar de não concordar totalmente com esses estímulos, Vivian é contra a atitude de alguns pais que preferem abster a criança da tecnologia. “Todo extremo é prejudicial. Toda criança que não têm contato [com a tecnologia] também será prejudicada, porque o mundo vai pedir que ela conheça isso. Então se ela não conhecer, terá um atraso em relação aos outros”, explica. Para isso, a psicóloga orienta que o contato seja monitorado e equilibrado pelos pais.

Essa é uma das preocupações de Mirene Rhinow, mãe de Marina. Ela monitora a pequena e acredita que o uso dos aparelhos eletrônicos não é de extrema importância para o desenvolvimento de uma criança, mas o utiliza por necessidade. Ela afirma que a menina tem uma vida normal. Brinca com bonecas, desenha, faz comida de brincadeira e usa a imaginação para contar histórias. “As pessoas pensam que por ela brincar com o computador ela não faz mais nada. Não é verdade. Ela faz tudo que uma criança deve fazer. Esse interesse surgiu dela, nunca incentivamos. Ela ia perguntando e nós mostrando. As crianças são muito curiosas”, esclarece Mirene.

A psicopedagoga Valéria Ferreira alega que um dos motivos da enxurrada de eletrônicos na vida das crianças é a falta de incentivo às brincadeiras antigas, tanto das escolas quando dos pais. Ela afirma que a família perdeu para a tecnologia o espaço que tinha na vida das crianças. “Para exemplificar, basta prestarmos atenção em uma mesa de restaurante. Os pais saem com seus filhos e muitas vezes eles [filhos] passam todo o tempo interessados apenas no celular ou no tablet. Esse tempo era para ser gasto com conversas e confraternizações”, lamenta Valéria. A psicopedagoga alerta que essa obsessão não é apenas encontrada nas crianças. Muitos pais não conseguem passar um minuto desconectados ou longe do aparelho celular, o que acaba servindo de exemplo na vida dos filhos.

O pequeno Vitor Uchoa, de quatro anos, apesar de não ser alfabetizado, passa o dia inteiro na internet assistindo vídeos, navegando pelos sites e jogando. Sua mãe, Diana Uchoa, disse que no início pensava que ele era muito inteligente e por isso incentivava o filho, pois aprendia muito rápido a mexer nas coisas, mas agora isso é um vício que ela não consegue controlar. O pequeno faz birra e por isso a mãe prefere não contrariá-lo.

Diana conta que no dia das crianças eles estavam na casa do avô de Vitor e que o menino já havia anunciado que queria um vídeo-game. Diana comprou outro presente e quando entregou para o garoto ele ficou bravo e disse que não voltaria mais para casa enquanto não ganhasse o que tinha pedido. Vitor irritou tanto a mãe que, mesmo morando em outra cidade, ela preferiu deixar o filho com os avós por uma semana. Ela diz que o marido a culpa pela teimosia do filho, mas ela não consegue controlá-lo. “Não adianta eu fazer nada, ele não obedece. Por um lado eu até acho bom quando ele fica no computador, porque só assim ele fica entretido no canto dele e eu consigo fazer os serviços de casa”, desabafa. A mãe garante que já tentou brincar com o filho e contar histórias, mas ele não se interessou e ficou impaciente.

Para o teólogo Allan Novaes esse processo de envolvimento tecnológico é irreversível. Os produtos que são lançados a cada dia alteram a parte cognitiva, fisiológica e psíquica das crianças e muitas vezes isso é ignorado pelos pais que acreditam que a tecnologia é neutra. Apesar disso, ele acha difícil a família conseguir fazer a criança não se envolver com a modernidade. “Eu não acredito que algum pai consiga abster o filho da tecnologia. Acho impossível isso no século 21, a não ser em casos de extrema pobreza. O que alguns pais fazem é exercer mais disciplina e controle em termos de quantidade e tempo de exposição. Se isso é bom ou não, é relativo,” opina Novaes.


A Academia Americana de Pediatria (AAP) constatou que o excesso de exposição à TV, internet e jogos está ligado ao déficit de atenção e à obesidade infantil. Segundo a AAP, uma das formas de minimizar esses riscos é controlar o tempo gasto de crianças com menos de 12 anos em no máximo duas horas diárias.


Empresa israelense investe em tecnologia para o público infantil

O que até há pouco tempo era objeto indispensável apenas para adultos, virou moda também para o público infantil. Um terço das crianças com menos de dez anos já possuem celular. O uso do aparelho virou artigo de desejo e o presente mais solicitado, ao lado do tablet, nas datas comemorativas. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Brasil fechou o mês de agosto com mais de 268 milhões de linhas ativas.

A empresa israelense Mobee desenvolveu um celular próprio para as crianças. O aparelho, além de só poder arquivar quatro contatos (mãe, pai, casa e um adicional), tem uma tecla de “pânico”, que ao ser clicada envia uma mensagem de emergência para os contatos. Outro recurso é um dispositivo que permite aos pais ligarem para o aparelho e conseguir ouvir o que está acontecendo em qualquer momento. O celular custa cerca R$ 220,00 e só é vendido pelo site da empresa.

Por Felipe Rocha, Karine Dias, Késia Andrade
Tags: , , , ,

Sobre a ABJ

A ABJ é a agência júnior de jornalismo do curso de Comunicação Social do Unasp - Centro Universitário Adventista de São Paulo.

0 comentários

Comente Esta Notícia