Alex Padilha, 25 anos, foi passear e nunca mais voltou. Fábio Rangers, 22, saiu de Novo Horizonte e agora não tem mais moradia fixa. Milton Neto, 26, tem sofrido de dupla personalidade: “Lá dentro eu sou outra pessoa.” Gabriela Vieira de Araújo Ugalde, 20, disse para a família que ia trabalhar e fugiu de casa. Bruno Ugalde, 21, entrou nessa desde criança e não sabe se consegue sair. Manolo Cesar Orticeta Ybarra, 19, veio da Argentina para o Brasil e agora sente saudades dos parentes. Ana Alice, 24, tem deixado a família nos últimos finais de semana, mas ainda tem dúvidas: “Eu não sei se eu iria, mas com certeza seria uma grande aventura.” Onde estão estes jovens? Desaparecidos? Não. Respeitável público, eles estão no circo!
Poucos sabem, mas nesta terça-feira, 27 de março, é comemorado o dia do circo. A data vem para homenagear o palhaço Piolin (Abelardo Pinto), nascido há 115 anos, em 1897. O palhaço de Ribeirão Preto (SP) cresceu no circo de seu pai aonde aprendeu a tocar violino, fazer contorcionismo e acrobacias pegando o gosto pela vida circense. No entanto, em 1973, aos 76 anos, Piolin morre e deixa no ar um sonho não realizado: o desejo de montar uma escola circense. Mas tal vontade, não ficou com Piolin, na verdade, se tornou Piolin. Quatro anos após a sua morte, surge no Brasil a primeira escola de circo. O nome dela, sugestivamente, levava o apelido do artista para que, além de homenageá-lo, incentivasse futuras gerações circenses a terem o mesmo espírito que o de Abelardo no picadeiro.
O objetivo, é claro, deu certo. Na segunda metade do século 21, já é possível encontrar, só na cidade de São Paulo, por exemplo, duas escolas circenses e 12 trupes que realizam turnês dentro e fora do estado.
Mas Alex, Fábio, Milton, Gabriela, Bruno, Manolo e Ana não são de São Paulo. Na verdade, cada um vem de um lugar diferente, inclusive de fora do país. Estes jovens, diferente do que podemos pensar, não estão no circo porque não tiveram oportunidades ou porque esta foi a única alternativa. Pelo contrário. Estes jovens estão no circo porque fizeram das alterativas possíveis, a arte circense sua prioridade.
PORPCORN, O CIRCO DO RAPADURA
“Eu já fui jogador de futebol. Joguei em Maceió, em São Luís do Maranhão, São Paulo, e abandonei”, conta Neto. Ele que na época tomou a decisão por conta do mau estado de saúde de seu pai circense, hoje, é palhaço e ajudante administrativo do Popcorn circo, o circo do Rapadura.
A trupe que Neto participa existe a aproximadamente dois meses. Fundado pelo senhor Padilha e seus filhos, a família circense já possuía experiência inclusive no circo do Beto Carrero. Neste caso, a paixão pelo picadeiro foi passada de pai para filho até que, em parceria com a SBT-TV, fundaram o Popcorn circo, com espetáculos do Rapadura, ator do quadro Comando Maluco da Praça é Nossa.
No mês de Março, a equipe estava na cidade de Artur Nogueira (SP) e a partir do dia 26, iriam para Paulínia, a 120 km da capital. “A gente chega pra ficar sempre 10 dias. Aí se vem um público legal, a gente vai ficando. Às vezes você vem pra ficar os 10 dias, mas fica sexta, sábado e domingo e vai embora porque não tem público”, esclarece Rangers, filho de Padilha.
POR TRÁS DA LONA
O Popcorn circo, que conta com palhaços, trapezistas, malabaristas, mágicos e equilibristas, é um tanto incomum no que diz respeito ao quadro de artistas. “Aqui está a geração do futuro. Só tem gente nova”, explica Rangers. O equilibrista, que entrou no circo aos 16 anos, conta que poderia ter escolhido entre fazer uma faculdade ou virar artista circense: “Mas aí eu optei em vir pro circo. Agora tem oito anos que eu estou fazendo isso.” Tal atitude, é semelhante em idade, gênero e paixão, a das outras histórias encontradas nos bastidores do Popcorn.
São jovens que estudaram e optaram pelo circo como alguém escolhe um curso de faculdade. Gabriela Ugalde, por exemplo, até o ano passado cursava Direito no Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), em Lorena (SP), mas abandonou tudo para entrar no circo. “Eu tinha 19 anos. Aí avisei os meus avós, porque eu moro com eles, e falei apenas que eu ia trabalhar, porque na época eu trabalhava na TIM. Aí eu disse ‘vou pra Campos do Jordão’, só que nisso eu fui pro circo”, conta. No caso de Gabriela, a história vai mais além. Para quem acha que circo não é lugar de romance, engana-se. Depois de um mês com a trupe de circo, Gabriela conheceu Bruno Ugalde, que no espetáculo da quinta-feia, 22 de março, garantia: “Eu só largo o circo por amor. Só largo por Gabriela.” Palavras que soavam fortes para quem faz parte da 4ª geração de filhos circenses.
Além do lado pessoal, o circo é repleto de mitos populares que recriam nos artistas a imagem dos antigos ciganos que viviam em barracas. “Mas o circo, não é assim. Hoje você tem internet, tem sky, e pode até encontrar trailers custando mais de um milhão de reais ”, pontua Rangers. Quando se trata de circo, o conforto precisa mais do que nunca estar presente pois, segundo Fábio, como a mudança é algo constante, os artistas precisam sentir-se bem.
“Eu tenho uma casa belíssima em Maceió, fazenda, praia, tenho tudo. Mas não aguento ficar uma semana lá,” conta Neto. “Porque pra trabalhar em circo, precisa ser apaixonado mesmo.” O jovem palhaço herdou da família a tradição do circo. Mas a escolha pelo número, ele diz , não foi assim tão voluntária: “Um dia o meu tio disse ‘o neto, pinta a cara lá’. Aí eu disse ‘mas tio, o que que eu vou fazer?’ E desde então eu sou palhaço”, ele ri. Na época, Neto tinha 14 anos. Hoje, com 26, ele ainda não sabe como mantém os seus números: “Aqui fora eu sou meio fechadão. Ninguém acredita que eu sou palhaço. Mas lá, eu sou o Tinthulim, não sei nem como eu faço a minha voz, parece que não sou eu”, explica.
Alex Padilha, que também é palhaço no circo Popcorn, conta que o segredo para ser palhaço é entrar no picadeiro e esquecer tudo. “E a dificuldade de ser palhaço?”, ele ri e responde: “Não tem!”. Alex, ou Leco, como o chamam no picadeiro, diz que a vida no circo “é complicada, mas divertida”. O artista que faz o papel de palhaço mudo lembra que quando sua avó morreu, a notícia veio pouco antes de entrar em cena. Embora triste, Alex fala que fez o número na mesma intensidade de sempre, pois há algo no picadeiro que o transforma. “É instantâneo. Você atravessa a cortina e muda tudo. E é só você voltar do picadeiro para se chocar com a realidade de novo”, explica. Mesmo triste, o palhaço não esqueceu do seu objetivo ao entrar em cena: “Pois se a gente entra para trabalhar e não vê o sorriso do público, a gente pode se aposentar”, enfatiza.
Para quem assiste, o circo pode não passar de um espetáculo que dura uma noite. Mas para quem o vive, ele é mais. “As pessoas aplaudindo, gritando, você fica nervoso e aí começa a pensar ‘será que meu sapato tá sujo? Será que meu cabelo tá arrumado? Será que a minha maquiagem está escorrendo? Será que aquela pessoa vai gostar?’”, explica Fábio sobre os bastidores da apresentação.
É por isso que numa coisa, todos os artistas concordam. Como bem disse Neto: “É mais fácil alguém da cidade se acostumar com o circo, do que alguém do circo se acostumar com a cidade.” Porque além de não haver rotina, existe a adrenalina de cada apresentação compensada com o sorrido do público, num lugar onde, conforme Alex, até “os bastidores são uma comédia”.
“E os problemas?”, repete Rangers, “existem, mas não tem haver com o salário.” O equilibrista explica que hoje, por exemplo, um artista circense pode ganhar de R$ 150 até R$ 1.500 por semana, conforme a originalidade e dificuldade do número que apresenta. A parte ruim, no entanto, é apontada por duas pessoas. Para Neto, é ter um relacionamento estável. “Porque quando você começa a gostar da pessoa, de repente você está longe”, explica. Já para Ybarra, o ruim do circo é algo que ele nunca vai se ver livre: “Montar e desmontar. Porque o resto, é só alegria”, responde.
Há quem diga que por causa dessa animação toda, circo é só para criança. “As pessoas acham que o circo é para criança. Mas o circo não é para criança. O circo é para todas as idades”, comenta Rangers. “Porque a criança não entende o que o equilibrista esta fazendo ali. Ela não entende se o trapezista for lá e der três voltas no ar. Agora, adulto entende.” Liliane Bentlin, 26 anos, que na quinta, 22 de março, foi ao circo, conta: “Eu que vou a circo desde criança, acho que é uma diversão para qualquer idade. Porque lá dentro tudo muda. O espetáculo te faz viajar fazendo você sair do mundo real e entrar no mundo da fantasia.” Por isso naquele espetáculo, Liliane fez questão de levar quase toda a família: a mãe Rosa Paula, de 48 anos, sua filha Alegra Bentlin, de 2, e o pai Mauro Paulo, de 50, provando que não tem idade para aproveitar o circo.
Para muitos, Fábio Rangers, Milton Neto, Alex Padilha, Manolo Ybarra, Ana Alice, Bruno Ugalde e Gabriela Ugalde, não existem. O que existe, é o equilibrista, os palhaços, o trapezista, a vendedora de pipoca, o malabarista e a assistente de palco, que na hora H, precisam estar prontos para levar alegria aos corações aflitos. Já que, como Bruno Ugalde diz “estão dando o tempo para nós. Então de volta, nós damos o nosso 100%.” E Fábio completa: “Porque o objetivo do circo hoje é fazer com que a partir do momento que você entra daquela carreta pra cá, esqueça tudo. Essa é a nossa função.”
SANGUE CIRCENSE
Longe de Artur Nogueira, e quem sabe sem ter ouvido falar do circo Popcorn, Hudi Rocha compartilha da mesma paixão que estes jovens circenses. Mas a diferença, é que Hudi, tem bem mais que o dobro da idade deles. Nascido em setembro de 1939 e atualmente residindo em Votorantim, a 112 quilômetros de São Paulo, Hudi da Rocha Camargo tem 72 anos e, literalmente, nasceu no picadeiro. Embaixo dos panos do que era o circo Esperança, ele deu os primeiros choros e tornou-se, desde que se conhece por gente, um artista circense.
“Está no sangue”, diz. Assim como a maioria dos artistas de circo que já vem com uma bagagem familiar, a história de Rocha não é diferente. Do menino que com 5 anos já trabalhava como palhaço, surgiu em meados de 1956 o caipira cômico Fedegoso. “Na época, o circo era muito teatro e a gente trabalhava com o coração, com a emoção. E hoje não. Mudou muito. Acabaram muitos circos”, lamenta. Rocha, que se aposentou da profissão tem 10 anos, não conseguiu ficar longe da magia circense: “Eu tenho um grupo em Sorocaba. O nome dele é ‘Grupo de Circo Guaraciaba’. Tem umas 18, 20 pessoas”, explica.
Rocha, que lembra da vida circense como um contrato de amor, já perdeu a conta dos circos em que esteve, mas sabe garantir que cada um, deixou uma história especial. “Na época”, ele diz, “nós trabalhávamos com lampiões a querosene. Até com vela a gente trabalhou . E era muito mais difícil, a lona não era de plástico, era de pano, então quando chovia a gente nem fazia espetáculos”, recorda. Mas apesar dessas limitações, Rocha não via isso como problema: “Pra te dizer a verdade, eu não achava nada difícil. Tem os momentos difíceis, tem. Mas eu fazia de conta que aquilo fazia parte da vida do circo.”
Para o palhaço, o estilo de vida não era penoso, mas como ele mesmo gostava de dizer “a gente trabalhava como turista.” Agora que Rocha não viaja mais com nenhuma trupe, ele conta que sente muita falta. “É difícil ficar parado”, diz. A esposa de Rocha, Sulméia, que também é circense desde a infância, tem acompanhado o marido desde que ele tem 17 anos.
A história de Rocha é uma verdadeira entrega total ao espetáculo. O palhaço que já teve quatro circos, conta que o primeiro deles foi adquirido quando estava para se casar. “Eu tinha 17 anos e vendi uma casa em Itapetininga pra comprar um circo.” Em seguida, já veio a primeira dos sete filhos, Rita de Cássia, que também foi logo cedo para a magia do picadeiro.
Embora aposentado, o circo continua trazendo boas surpresas na vida de Rocha. A última delas veio com a participação nos bastidores do filme “O Palhaço”, de Selton Mello. O contato que surgiu através do filho de Rocha, o palhaço Kuxixo, que já se apresentou nos programas da Xuxa e do Faustão da Rede Globo, permitiu que a família auxiliasse o ator no desenvolvimento do seu personagem na trama. “Foi um prazer imenso de trabalhar com o Selton e o Paulo José. Até porque depois eles usaram no filme algumas músicas que cantávamos no nosso circo.”
O filme de Selton Mello, lançado em 2010, conta a história de Benjamim (Selton Mello) e Valdemar (Paulo José), que ganham a vida viajando o país com o circo, que sugestivamente leva o mesmo nome do circo em que Rocha nasceu: Esperança. Os personagens, pai e filho, são conhecidos no picadeiro como os palhaços Pangaré e Puro Sangue. A trama gira em torno do desejo de Benjamim em ter um lugar fixo para morar, um CPF e uma identidade.
As histórias destas gerações circenses, e o amor que elas sentem por esta arte, com certeza mantem viva toda a magia do circo. É certo que Piolin não ficou vivo para ver até onde o circo chegou, mas se ele pudesse ler ou ouvir estas mesmas histórias, com certeza se orgulharia desta geração circense, que mesmo depois de anos, continua fazendo do sorriso dos outros, a sua razão de viver.
HISTÓRIA DO CIRCO
Diferente do que se entende hoje por circo, o circus ou “lugar em que competições acontecem”, tem, segundo a tradição, surgimento na Roma antiga no ano 40 a.C. Conforme a história, existia na cidade uma arena dividida em pistas, onde eram realizadas corridas de cavalos, combates de gladiadores, brigas de homens contra animais e duelos entre bichos. Mais tarde, esse lugar foi incendiado e sobre ele construído o Coliseu. O estilo de arena definiu o que seria mais tarde o circo moderno.
Já a arte circense, pode ser atribuída aos chineses que praticavam acrobacia, contorcionismo e equilibrismo para desenvolver a força e agilidade nos seus guerreiros. Ainda no seu território, foram encontradas pinturas datadas de mais de 5.000 anos com acrobatas e malabaristas.
No final do século 18, no entanto, o circo começou a migrar para o formato mais conhecido nos dias de hoje. Com performances apresentadas em arenas, uso dos animais para distração das pessoas e contorcionismo, o estilo foi sendo moldado e o termo “espetáculo” ficou mais comum, principalmente na França e Inglaterra, que já adotavam o método nas apresentações dentro de tendas gigantes.
No Brasil, a chegada do circo deve-se aos europeus, e é datada do século 19. A maior influência veio dos ciganos e também de grupos que manifestavam publicamente suas aptidões teatrais.
A primeira escola brasileira de circo foi a de Piolin, fundada em 1977 em São Paulo. Piolin, a quem o dia do circo é dedicado, morreu sem ver a própria escola sendo erguida.
Embora o estilo de arena e artístico ainda prevaleça, o circo moderno modificou-se a tanto, que se transformou em correntes que vão desde os espetáculos tradicionais com palhaços trapezistas e mágicos, até aquelas que manifestam-se na rua ou ainda as mais organizadas, que apresentam elementos do teatro, ópera, ballet, rock somados à tradição circense.
28 de março de 2012 às 15:51
Muito boa a notícia! Eu que vi ela nascendo no computador do lado, não sabia que ficaria tão boa! Parabéns Isa!